Plenilúnio lusitano
PLENILÚNIO LUSITANO
Lua antiga que estás no céu
- hóstia fria
em que a borda destacada
mendiga e entrega um prazer profano -
desces lasciva pela garganta,
gelo imprevisto que escorre língua abaixo.
Paras agora bem ali antes do esôfago
e assim consomes minha respiração...
Sinto-te ali, lua,
a criogenizar minhas fracas cordas vocais
e impregnar teu sabor em minha boca
qual mil ostras
arrancadas de seus leitos nacarados.
De que te adianta, se podes estar no céu,
habitar minhas entranhas estéreis de estrelas?
Como te basta, lua louca,
iluminar essa minha boca sem céu?
Sinto-te gélida e confinada queimando-me por dentro
quando podias crescer em quartos infinitos,
murchar só para nascer nova, imperceptível,
e cegar os amantes que te vejam prenhe.
Clara lua, lua errante,
se a tua sina é estar no alto
onde te cabe o papel principal,
não podes de fato estar aqui embaixo
a revestir-me as mucosas com prata...
Mas se o acaso te entreteve dentro em mim,
não te detenhas, já que és astro por vagar.
Brilha forte, lua, brilha muito!
Iça meus sonhos e delírios para cima
onde eles possam mais sonhar e delirar...
Em noites tardias, por sua causa agora insones,
meu lado alado,
eu te olharei a ver-me inteira, mesmo cindida,
daqui da terra que pôs raízes em meus pés.