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Sertão estrangulado

SERTÃO ESTRANGULADO

 

O pio da rasga-mortalha repartiu a noite,

O que era antes ficou incerto, virou depois.

O vento encapelou a poeira no dorso da terra

E a macambira pareceu enfim deitar-se.

Pareceu; a lua não deu atestado de nada.

Não serviu de cúmplice aos amantes acoitados

Nem banhou o sertão em prata, não se encheu.

 

No breu insone do céu puído de estrelas,

Uma delas, cadente, foi triscar o horizonte

Para despertar um desejo, fazer palavra

Do pedido doído e condenado de nascença:

Estrela pequenina, opera agora um milagre,

Concede a graça do amor que não tem fim,

Tira logo a saudade desse grande bem querer.

 

Os anjos atenderam, comovidos, tanto sonho

Dando a bênção do amor mais verdadeiro.

Mas não obraram tudo, esses anjos dadivosos,

Nunca é inteiriça a benesse, se é para sempre.

Amor só não finda estrangulado de saudade,

Pois, saudoso, é eterno, sobrevive à caetana

Que abocanha os viventes ou lhes leva os afetos.

 

Os amores que caem do céu com as estrelas

Põem rachaduras no peito, secam lágrimas.

Não morrem com a morte, vivem da vida

Que a saudade imensa alimenta cá na alma

E, quando eles caem, as noites não têm lua,

O vento ondula a macambira e dá o prumo

À rasga-mortalha feita cúmplice de amantes.

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